É CASA, TAMBÉM CORAÇÃO

Entra, a casa ainda está bagunçada, desculpe.

Ignora a poeira nas janelas, o mofo nas paredes, a vidraça quebrada do banheiro. É que por aqui passaram alguns vendavais e eu ainda não me recuperei totalmente. Pode ficar no quarto no fim do corredor se quiser. Por lá, eu troquei as cortinas, a roupa de cama, a lâmpada que estava queimada. Não é um ambiente de conforto, mas comparado ao restante da casa, ele é o menos ruim. Espero que não se importe com os defeitos da sua nova moradia. É simples, é meio bagunçado, mas também tem muito carinho. 

A rosa amarela enfeitando a mesa, mostra como esse lugar tem ganhado vida aos pouquinhos, ela pode até estar meio murcha, mesmo assim continua linda. Só peço que não visite o quarto ao lado da cozinha, a área ainda é restrita. É fácil se assustar com o desastre ali dentro, os cacos de vidro estão espalhados por todo canto, você corre o risco de se cortar e eu não quero te ver machucada. Ainda tem sangue escorrendo sobre o papel rasgado na parede, a aparência pode te perturbar, talvez até nem tenha estômago suficiente para encarar isso. Talvez nem eu mesma tenha. Mas irei organizar, limpar e colocar cada coisa em seu lugar, só te peço paciência.

O toca CD's também está quebrado, por aqui ainda habita o silêncio. Espero que não se incomode, qualquer coisa senta na beira da janela e escuta o barulho da madrugada que chega. Sente o vento te abraçar e junto comigo, reúne forças para o dia seguinte. Só não te demora a se recolher, a escuridão pode trazer consigo muitas dores e lembranças que já deveriam estar no fundo do baú. Os sons de lágrimas balançam as estruturas dessa casa, são como goteiras que raramente cessam. Respira fundo e segura a barra, aos poucos os vazamentos serão consertados, prometo.

O aluguel é cobrado todo fim de mês, você pode pagar com alguns sorrisos, abraços e carinhos. Fica a seu critério. Coração aceita uma xícara de café preto, bem forte e quente para espantar a frieza dos antigos dias. Um bom papo nas manhãs de sábado e uma ajuda para por o lixo fora. A faxina vou fazendo aos poucos, um cômodo por vez, uma caixa por dia. E então uma nova vida. Para mim... para você... para nós.